FERNANDO MELRO
( Portugal )
Nasceu em Santarém em 4 de Fevereiro de 1930.
Em 1960, publicou “A Manhã e o Mar”, versos.
MÁKUA ANTOLOGIA POÉTICA 2. Sá da Bandeira, Angola: Publicações Imbodeiro, 1963. 61 p. Direção de Garibaldino de Andrade e Leonel Cosme. Ex. bibl. Antonio Miranda
Poemas para o livro “Viagem a Bordo dos Dias.”:
ÉRAMOS LONGE
Riem- se de nós aves subtis no duro silêncio.
Granito.
Sabor de palavras ainda insurtas pedem-nos os lábios.
O tempo
dorme no seio da montanha. Pueril.
Éramos longe deste sabor de coisas virginais.
TEMPO
Agora os dias morrem
violentos.
São
mesmo as nuvens e os ventos
que as horas e os passos
medem.
Agora os dias cedem
na convulsão espaços.
E ninguém mora nas estradas nuas
a não ser cães dispersos
nas ruas.
NUVENS
As nuvens cavalos
as nuvens serpentes
as nuvens esquilos
as nuvens
esboços
de exóticos peixes
de vultos gigantes
de vultos fantasmas
as nuvens e os gesto
de mãos à procura
As nuvens e os olhos
e todo o fracasso
de formas que vivem
apenas no ventre
da minha lembrança.
O vento as esvai.
SONETO DÉCIMO
As tuas mãos são taças de cristal
cheias de luz como o vinho antigo
e ressequidas bocas de palavras
que do silêncio moldo frágeis. Vem,
Poesia, envolta pelo aroma fundo
e quase táctil de vermelhas flores
donde translúcida abelhas sugam
(virgens porém) o fecundante sêmen.
Haja no teu suspenso vulto a límpida
certeza dum país onde nem guerras
nem fomes nem rancores me persigam.
Oh! quando, mágicas, as tuas mãos
acendam as manhãs na antiga sombra,
eu canto como ébrio. Vem, poesia!
SONETO DÉCIMO QUINTO
Os dois pela cidade vagabundos
deslizamos nas ruas nuas como
na voragem dum rio sem paisagem
dois navios vazios. Breves cultos.
Monotonia. O vento é um disperso
espírito que ronda pelas ruas
nuas. As suas vozes revolutas
são pássaros de corpos invisíveis.
As estrelas ignoram-nos no céu.
O teu silêncio fere o meu silêncio.
e a chuva cai como um sedoso véu.
Juntos como se eu fosse a tua sombra
ou tu a minha sombra (vultos breves)
aonde vamos, companheiro louco?
SONETO VIGÉSIMO OITAVO
Ó aquática noite
pairando silenciosa
mas úbere de formas
nas ruas antiquíssimas!
Os vultos adivinho
irmãos do mesmo ventre
na gestação ainda
donde provimos gêmeos.
Ó noite fluída, mãe
que nos igualas todos
no primitivo sangue!
Momento de regresso
ao porto abandonado.
Saudemo-nos, irmãos.
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Página publicada em janeiro de 2022
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